O Hamas e um isolamento sem precedentes, Parte 2: O Hezbollah, um aliado estratégico

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O líder do Hezbollah no Líbano, Sayyed Hassan Nasrallah, aparece em um telão durante seu discurso em Beirute, no Líbano, 3 de novembro de 2023 (Mohamed Azakir/Reuters).

O líder do Hezbollah no Líbano, Sayyed Hassan Nasrallah, aparece em um telão durante seu discurso em Beirute, no Líbano, 3 de novembro de 2023 (Mohamed Azakir/Reuters).

Apesar de todos os apoios, a verdade é que o Hamas assumirá sozinho o pesado fardo da batalha no cenário prático da guerra.


Seyed Hassan Nasrallah, líder do grupo político-miliciano libanês Hezbollah, falou na sexta-feira pela primeira vez desde que o Hamas atacou Israel. Dias atrás, os meios de comunicação que apoiam a resistência na região criaram uma atmosfera para mostrar que o mundo, e especialmente o governo de Israel, prendiam a respiração aguardando o que o líder do grupo miliciano xiita mais forte da região tinha a dizer. O discurso de Nasrallah teve uma abordagem completamente diferente.

Nasrallah é secretário-geral do Hezbollah desde 1992, depois do assassinato do fundador e líder anterior, Abbas al-Mousavi, perpetrado por Israel. Al-Mousavi não foi o primeiro secretário-geral do Hezbollah, distinção que coube a Subhi al-Tufayli, atualmente sob boicote noticioso devido a suas críticas ao desempenho do Hezbollah. No entanto, o Hezbollah é governado por um conselho de sete membros e cinco subconselhos, dos quais Nasrallah é o supervisor e líder. Se o Hezbollah é um partido político com uma ala militar ou um grupo miliciano que também se envolve em atividades políticas é um ponto importante. Alguns meios de comunicação europeus consideram o Hezbollah um partido político devido às suas atividades políticas no Líbano, apesar de o início das atividades do grupo ter sido associado a atividades militares.

Na verdade, o Hezbollah surgiu durante os 15 anos de guerra civil do Líbano, que começou em 1975 quando o descontentamento de longa data com a grande presença armada palestina no país atingiu o auge. Israel atacou o Líbano duas vezes, uma em 1978 e novamente em 1982, em meio aos conflitos internos do país. Israel tentava expulsar os guerrilheiros palestinos que usavam a área como base para atacar Israel. Entretanto, um grupo de xiitas sob a influência da teocracia iraniana pegou em armas contra a ocupação israelense, e assim foi formado o Hezbollah. O grupo ganhou notoriedade e reconhecimento internacional devido a confrontos frequentes com milícias xiitas rivais, como o movimento Amal, e ataques a alvos estrangeiros, incluindo o atentado suicida de 1983 contra quartéis americanos e franceses em Beirute. O Hezbollah, que é um movimento xiita, publicou seu manifesto em 1985, afirmando que estava empenhado em expulsar as potências ocidentais do Líbano, destruir o estado de Israel e jurar lealdade ao líder supremo do Irã.

Embora o Hezbollah insista que o povo libanês deve gozar de liberdade e autodeterminação, nunca deixou claro, sendo assim, porque incluiu lealdade ao líder do Irã em seu manifesto. Não é improvável presumir que o povo do Líbano não concordaria com este compromisso.

Milícia ou partido político?

No entanto, de acordo com o Acordo de Taif de 1989, mediado pela Arábia Saudita e pela Síria que pôs fim à guerra civil libanesa, o Hezbollah foi o único movimento de milícia autorizado a manter suas armas. Apesar disso, alguns críticos dizem que a presença armada do Hezbollah viola a Resolução 1559 do Conselho de Segurança da ONU, aprovada em 2004, que apela a todas as milícias libanesas para se dispersarem e desarmarem. A Força das Nações Unidas no Líbano (UNFIL), destacada pela primeira vez em 1978 para restaurar a autoridade do governo central, permanece no país e insiste em desarmar o Hezbollah.

Apesar de todas as oposições, o Hezbollah é na verdade um exército forte que, para além de seu papel interno, é um grande obstáculo contra ataques estrangeiros. Até agora e após a retirada oficial de Israel do sul do Líbano em 2000, tem havido numerosos conflitos entre o Hezbollah e Israel, que se transformaram em uma guerra de um mês em 2006, durante a qual o Hezbollah lançou milhares de foguetes contra o território israelense. Esta foi uma guerra que muitos consideram que resultou em derrota de Israel para o Hezbollah. No momento do ataque ao sul do Líbano, Israel declarou três objetivos: libertação dos reféns do Hezbollah, prevenir ataques de foguetes do Hezbollah do Líbano nas profundezas do território israelense e prevenir a infiltração de membros deste grupo em território israelense. Considerando o tipo de ataques, a intenção de Israel não parecia ser ocupar o Líbano, portanto, tecnicamente falando, a retirada israelense não pode ser considerada uma derrota – embora o objetivo por trás da cortina, que provavelmente era a destruição do Hezbollah, tampouco tenha sido alcançado.

Estima-se agora que este grupo tenha perto de 25.000 combatentes ativos e aproximadamente a mesma quantidade de forças de reserva, com um arsenal de armas ligeiras, tanques, armas avançadas antinavio e antiblindados, drones e vários mísseis de longo alcance. Assim, muitas análises mostram que o Hezbollah é considerado por muitos como a milícia não estatal mais armada do mundo. Israel também estima que o Hezbollah possua cerca de 150 mil mísseis e foguetes, e também esteja equipado com drones e mísseis terra-ar e terra-mar.

Além deste notável alcance militar, o Hezbollah também é muito ativo no campo da política libanesa. Este papel já vinha crescendo e o Hezbollah e seus aliados tinham conquistado mais assentos nas eleições parlamentares libanesas de 6 de maio de 2018. Entretanto, o partido de Saad Hariri, que é se opõe ao Hezbollah, perdeu um terço de seus assentos nessa eleição. Embora o número de assentos do Hezbollah no Líbano não tenha mudado muito, os aliados do grupo, que apoiam o eixo da resistência, ganharam mais cadeiras. Os resultados das eleições parlamentares libanesas de 2022 mostraram que, embora o Hezbollah e seus aliados tenham vencido as eleições, perderam a maioria no parlamento.

Quanto ao papel do Hezbollah na região e no Líbano, Seyed Hassan Nasrallah tem duas posições diferentes. Além de comandar um grupo miliciano, ele também desempenha o papel de líder do movimento político mais importante do Líbano. Embora dedicado à destruição de Israel, o Hezbollah tem muito a perder dados os seus vastos interesses políticos e comerciais, e preferiria ficar fora desta crise para não perder sua posição dentro do Líbano. O grupo sempre recebe apoios significativos nas eleições libanesas e desempenha um papel importante nos processos políticos do Líbano através do voto popular.


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Hezbollah e Hamas

Embora o Hezbollah seja próximo do Irã xiita e o Hamas seja próximo da Arábia Saudita, do Qatar e da Turquia sunitas; mesmo o Hezbollah apoiando Bashar al-Assad e o Hamas apoiar a oposição a ele; ainda que o Hezbollah apoie o Irã, e o Hamas não seja tão firme nessa questão; e, finalmente, apesar de o Hamas ter afiliação intelectual com a Irmandade Muçulmana e o Hezbollah não, ambos concordam em uma questão: “A destruição de Israel”. Isso fez com que alguns falassem sobre a possibilidade do envolvimento e atuação do Hezbollah na operação de 7 de outubro do Hamas. No entanto, ainda não há provas confiáveis que demonstrem que o Hezbollah esteve diretamente envolvido nos ataques. Da mesma forma, ainda não foram apresentadas quaisquer provas contra o Irã.

Para comprovar o envolvimento direto do Hezbollah na operação Tempestade Al-Aqsa, citar a semelhança de métodos de ambos os movimentos na utilização de túneis subterrâneos é um erro que tem sido cometido em algumas análises. Pode-se dizer que, apesar de não haver provas do envolvimento do Hezbollah nas operações do Hamas, existe uma espécie de aliança estratégica entre ambos, e o Hezbollah ajuda o Hamas de certa forma, aumentando as batalhas fronteiriças com Israel. Nasrallah disse isso claramente em seu discurso de 3 de novembro: “Hoje, um terço do exército israelense está na fronteira do Líbano. Metade do poder naval de Israel está contra o Líbano. Um quarto da força aérea está no norte. Metade do poder aéreo e dos mísseis de defesa estão localizados ao norte do Líbano. Um terço das forças logísticas está no norte. Esta é uma das conquistas diretas.”

O Hezbollah tinha dito antes deste discurso que, nesse período, 120 soldados sionistas também foram mortos e feridos em ataques do Hezbollah e 105 posições militares do regime de ocupação também foram alvejadas. Além disso, durante os 23 dias de guerra, 65 mil colonos sionistas deixaram 28 assentamentos no norte da Palestina ocupada. Isto mostra como o Hezbollah agiu na aliança estratégica com o Hamas. O líder do Hezbollah também mencionou outro ponto. Ele definiu a operação Tempestade Al-Aqsa como uma ação de toda a Palestina e, segundo ele, tanto a decisão como a implementação da operação foram 100% dos palestinos, e os idealizadores do plano esconderam-no de todos, até mesmo dos grupos de resistência baseados em Gaza.

Nasrallah enfatizou a não interferência do Hezbollah e até mesmo do Irã com esta interpretação. Seu discurso poderia ter tido três abordagens diferentes à política do Hezbollah sobre o ataque do Hamas:

  • Anúncio da entrada do Hezbollah na guerra em apoio ao Hamas;
  • Evitar ações práticas na batalha e se contentar com palavras épicas e impetuosas;
  • Fortalecer a batalha fronteiriça e envolver Israel nas fronteiras do norte, a fim de reduzir o foco de Israel em Gaza.

Uma decisão razoável

Entre as três, escolheu a terceira, que evita o recrudescimento da guerra entre o Líbano e o Irã e, ao mesmo tempo, continua a apoiar seu aliado estratégico. Sem dúvida, estender a guerra ao Irã e ao Líbano, em ambos os quais a população enfrenta graves problemas econômicos e a opinião pública não é favorável ao início de uma nova guerra, seria um desafio para o futuro e a sobrevivência do Hezbollah e do governo iraniano.

Embora em parte de seu discurso Nasrallah tenha ameaçado que o Hezbollah não se limitaria às ações que tomou até agora, e que isto poderia ser considerado como o início de uma nova estratégia, o conteúdo de sua fala mostrou que ele se referia ao aumento das batalhas de fronteira com Israel, algo que aconteceu no dia seguinte ao seu discurso.

A verdade é que o Hamas deverá assumir sozinho o pesado fardo da batalha no cenário prático da guerra, e não só não haverá presença do Hezbollah e do Irã no campo de batalha, como também nenhum de seus membros permanentes e aliados históricos estará presente na guerra; aliados que, agora, parecem estar mais interessados em mediar do que em apoiar!

Talvez no futuro, se o Hamas deixar para trás esta situação, haverá críticas e queixas àqueles que encorajaram de alguma forma este ataque, para o qual todos os analistas preveem um final áspero desde o primeiro dia.

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